Para explicar o movimento de passagem de um grau de conhecimento para o outro, no Livro VII da República, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento e da paidéia platônicas. Para conhecermos esse mito, precisamos retomar, noutro nível, a exposição da teoria do conhecimento feita nas aulas anteriores, pois essa versão apresentada deixou de lado a beleza, a dramaticidade e as metáforas que tecem o Livro VI da República.
Para dar a entender ao jovem Glauco o que é e como se adquire o conhecimento verdadeiro, Sócrates começa estabelecendo uma analogia entre conhecer e ver.
Todos nossos sentidos, diz Sócrates, mantêm uma relação direta com o que sentem. Não é esse, porém, o caso da visão. Para que a visão se realize, não bastam os olhos (ou a faculdade da visão) e as coisas coloridas (pois vemos cores e são elas que desenham a figura, o volume e as demais qualidades da coisa visível), mas é preciso um terceiro elemento que permita aos olhos ver e às coisas serem vistas: para que haja um visível visto é preciso a luz. A luz não é o olho nem a cor, mas o que faz com que o olho veja a cor e que a cor seja vista pelo olho. É graças ao Sol que há um mundo visível. Por que as coisas podem ser vistas? Porque a cor é filha da luz. Por que os olhos são capazes de ver? Porque são filhos do Sol: são faróis ou luzes que iluminam as coisas para que se tornem visíveis. A visão é, assim, uma atividade e uma passividade dos olhos. Atividade, porque é a luz do olhar que torna as coisas visíveis. Passividade, porque os olhos recebem sua luz do Sol.
Conhecer a verdade é ver com os olhos da alma ou com os olhos da inteligência. Assim como o Sol dá sua luz aos olhos e às coisas para que haja mundo visível, assim também a idéia suprema, a idéia de todas as idéias, o Bem (isto é, a perfeição em si mesma) dá à alma e às idéias sua bondade (sua perfeição) para que haja mundo inteligível. Assim como os olhos e as coisas participam da luz, assim também a alma e as idéias participam da bondade (ou perfeição) e é por isso que a alma pode conhecer as idéias. E assim como a visão é passividade e atividade do olho, assim também o conhecimento é passividade e atividade da alma: passividade, porque a alma precisa receber a ação das idéias para poder contemplá-las; atividade, porque essa recepção e contemplação constituem a própria natureza da alma.
Assim como na treva não há visibilidade, assim também na ignorância não há verdade. A e a são para a alma o que a cegueira é para os olhos e a escuridão é para as coisas: são privações (privação de visão e privação de conhecimento).
Sob a analogia da luz, a diferença entre o sensível e o inteligível se apresenta assim:
MUNDO SENSÍVEL | MUNDO INTELIGÍVEL |
Sol Luz Cores Olhos Visão Treva, cegueira Privação de luz | Bem Verdade Idéias Alma racional ou inteligência Intuição Ignorância, opinião Privação de verdade |
Essa analogia é o tema do Mito da Caverna, narrado por Sócrates a Glauco para fazê-lo compreender o sentido da paidéia filosófica, isto é, da dialética e do conhecimento verdadeiro.
E hoje: o que seria a caverna?